O FGCoop e suas principais peculiaridades jurídicas, por Taíse Ribeiro de Oliveira

Este texto tem como intuito contextualizar, de forma resumida, cinco peculiaridades do Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito – FGCoop, sob enfoque jurídico, utilizando-se como material estudo leis, resoluções do Banco Central do Brasil – BCB, orientações da International Association of Deposit Insurers – IADI e, claro, o conhecimento prático.

O FGCoop é o fundo que presta garantia sobre os depósitos confiados a uma cooperativa de crédito por seus associados ou a um banco cooperativo por seus clientes. É uma instituição única no Brasil, ou seja, existe apenas um fundo garantidor para dar cobertura a todo o cooperativismo de crédito.

A criação do FGCoop e o ambiente regulatório

A história de criação do FGCoop tem início na Lei Complementar nº 130, de 17 de abril de 2009, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Crédito Cooperativo, porque previu em seu art. 12 que o Conselho Monetário Nacional-CMN poderia dispor sobre fundos garantidores e sobre a vinculação das cooperativas de crédito a esses fundos, dando abertura para o nascimento da regulamentação de um fundo garantidor para o cooperativismo de crédito a qualquer momento.

Na ocasião, apenas três sistemas contavam com fundos próprios, ou seja, as cooperativas dos demais sistemas e as não filiadas a central ficavam descobertas, demonstrando a necessidade da criação de um fundo único com atuação abrangente para propiciar a mesma garantia a todas essas instituições indistintamente.

Sob amparo da LC 130 e das tratativas entre técnicos do segmento, representados no Conselho Consultivo Nacional do Ramo Crédito da OCB – Ceco e do BCB, foi publicada a Resolução nº 4.150, de 30 de outubro de 2012, do CMN estabelecendo natureza jurídica, objeto, requisitos e características mínimas do fundo garantidor das cooperativas de crédito e dos bancos cooperativos; em síntese, a norma definiu como características obrigatórias: natureza jurídica de entidade privada, ausência de fins lucrativos, abrangência da totalidade das cooperativas singulares de crédito captadoras de depósitos e bancos cooperativos, ter como objeto a garantia de depósitos nas instituições a ele associadas e a realização de operações de assistência e de suporte financeiro com as mesmas instituições.

Além disso, essa mesma Resolução determinou algumas regras específicas para o estatuto social e o regulamento do fundo, tais como: estrutura de governança, critérios para a composição das contribuições e relação de instrumentos garantidos. A Resolução também deu competência ao Conselho Monetário Nacional para a verificação do atendimento aos requisitos e características mínimas estabelecidos, mediante aprovação do seu estatuto e do seu regulamento.

Assim, sob amparo normativo, entre o final do ano de 2013 e início de 2014 os atos de constituição do fundo garantidor do cooperativismo de crédito tiveram progresso, resultando no anúncio formal de sua criação, seguido da elaboração dos atos constitutivos e da eleição da Diretoria e do Conselho de Administração, com o início efetivo de suas atividades em abril de 2014 como FGCoop.

Foram definidas como finalidades precípuas do FGCoop: proteger depositantes e investidores das instituições associadas, respeitados os limites e condições estabelecidos no seu Regulamento; contribuir para a manutenção da estabilidade do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo – SNCC; e contribuir para prevenção de crise sistêmica no segmento cooperativista.

O conhecimento desse breve relato histórico é o alicerce que proporciona a compreensão dessa grande estrutura chamada FGCoop, trazendo mais clareza e compreensão quanto às características que o tornam uma instituição singular, não somente sob aspecto jurídico, mas também sob aspecto estrutural no segmento do cooperativismo de crédito.

O FGCoop e o Banco Central do Brasil

Como primeiro ponto de destaque podemos avaliar o tipo de vínculo entre o FGCoop e o BCB. Vimos aqui que o FGCoop é uma empresa privada e que seus atos constitutivos são aprovados pelo CMN, essas duas afirmações em conjunto podem aparentar certa incoerência, todavia, esse tema pode ser esclarecido considerando sempre que o Fundo é uma instituição sui generis. Estamos falando de uma associação civil sem independência plena, mas que também não é uma instituição financeira para ser submetida a supervisão direta do BCB do CMN.

A relação entre FGCoop e BCB decorre, além do fato de o Fundo ser um dos instrumentos da rede de proteção do sistema financeiro, de determinados pontos comuns de interesse, que visam fomentar o desenvolvimento do cooperativismo de crédito, garantindo sua solidez, perenidade e aumento da eficiência no segmento.

Já sabemos que o CMN não só estabeleceu como também acompanha o cumprimento das premissas definidas para serem seguidas pelo Fundo, portanto, esse ponto já representa um tipo de vínculo, visto que quando há necessidade de revisão do estatuto social ou do regulamento, o FGCoop , em articulação com o BCB define as alterações a serem realizadas e, com entendimento ajustado, a minuta é submetida a aprovação da Assembleia Geral para, em seguida, ser submetida ao Banco Central para elaboração de um voto utilizado como base na avaliação do CMN que a aprovando realiza sua devida publicação sob a forma de Resolução.

Além disso, FGCoop e BCB possuem como interesse comum a saúde financeira das cooperativas de crédito e dos bancos cooperativos, o que propicia a realização de reuniões e intercâmbio de informações e dados necessários para controle e gerenciamento dos riscos dessas instituições. Essa boa comunicação proporciona maior segurança na classificação de risco de descontinuidade das instituições e consequentemente gera grande oportunidade de mitigação por antecipar possíveis problemas, além de auxiliar na busca de solução sistêmica.

Podemos destacar ainda, o aprimoramento da governança como outra área de interesse comum, o que leva os administradores a serem submetidos à aprovação pelo BCB, nos termos da Resolução nº 4.122, de 02 de agosto de 2012, que disciplina as condições para o exercício de cargos em órgãos estatutários ou contratuais das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo BCB, em decorrência de previsão inserida no Estatuto do FGCoop.

Assim, nota-se que existe uma relação de convergência entre FGCoop e BCB. Não há plena independência do FGCoop, mas também não há subordinação, envolve interesses comuns e parceria, creio que podemos definir essa relação como algo que conhecemos muito bem, o nome disso, é cooperação.

Forma de registro dos atos constitutivos

Dando sequência a esses passos, encontramos a segunda peculiaridade do FGCoop, a forma de registro dos seus atos constitutivos. Sua constituição ocorreu por meio do registro da ata de assembleia geral de constituição, bem como do estatuto social, realizado no ofício de notas, conforme artigo 1º da Lei nº 6.015/73, 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os Registros Públicos, consequentemente todas as alterações posteriores seguem o mesmo rito de registro no cartório.

Esse procedimento difere do que ocorre com as cooperativas de crédito, que arquivam seus atos na Junta Comercial, por força da Lei 8.935, de 18 de novembro de 1994, que dispõe sobre serviços notariais e da Lei 5764/71 de 16 de dezembro de 1971, que define a Política Nacional do Cooperativismo e o regime jurídico das sociedades cooperativas em seu art. 18.

A base legal que justifica a observância desse procedimento consta nos artigos 44 e 45 do Código Civil, os quais afirmam que a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado ocorre com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro e que todas as alterações do ato devem ser averbadas no mesmo registro.

No Brasil existem dois órgãos de registro, um público e um privado, com competências distintas. A regra é que as sociedades empresárias sejam registradas nas juntas comerciais e as pessoas jurídicas civis registradas no registro civil das pessoas jurídicas.

Levando em consideração que o FGCoop é uma associação civil, podemos conceituá-lo como pessoa jurídica civil, por isso seus atos se sujeitam ao registro notarial, em cartório, e não em junta comercial.

Estrutura financeira

Passados os aspectos que envolvem a natureza jurídica do FGCoop, podemos conhecer o terceiro ponto que revela como o FGCoop se mantem financeiramente e como ocorre o vínculo das instituições (associação).

Para que o Fundo tenha disponibilidade financeira para o cumprimento dos seus objetos — realização da cobertura de depósitos ou assistência financeira às cooperativas associadas —, conta com filiação compulsória de todas as cooperativas de crédito captadoras de depósitos que devem contribuir mensalmente com 0,0125% do montante dos saldos das contas correspondentes às obrigações objeto de garantia ordinária para a estruturação financeira do Fundo, conforme consta na Resolução CMN nº 4.284, de 05 de novembro de 2013.

O nascimento das empresas comuns é atrelado a existência de um capital mínimo inicial, e no caso do FGCoop não foi diferente, a base financeira do FGCoop nasceu pela transferência da quantia de R$ 128,9 milhões realizada pelo FGC, como repasse do valor relativo ao montante atualizado das taxas sobre cheques sem fundos recolhidas, de forma direta ou indireta, pelas cooperativas desde a criação do FGC.

Assim, o patrimônio do FGCoop iniciou com o repasse das taxas de CCF pelo FGC e foi adquirindo robustez com o recolhimento das contribuições ordinárias pelas instituições associadas ao longo do tempo.

Cobertura de depósitos

Outra perspectiva apontada aqui como quarto ponto é sobre a cobertura de depósitos e seu limite de valor. O FGCoop é uma instituição paybox plus, pois, além de realizar a atividade de paybox clássico, que é a cobertura de depósitos, ele também atua na prevenção de crises por meio das operações de assistência financeira, sendo assim, ele possui dois objetos sociais — cobertura de depósitos e assistência financeira —, mas sob enfoque da sua atuação prática não posso deixar de abrir parênteses para destacar que ele trabalha em três vertentes: (i) monitoramento, em que o Fundo acompanha os dados das instituições no intuito de verificar possíveis riscos de descontinuidade; (ii) assistência financeira, atualmente, é tida como medida prioritária para os casos de incorporação da cooperativa que se encontre em risco; e por fim e menos desejada a (iii) cobertura de depósitos.

A cobertura de depósitos é o objeto mais evidente da atuação do Fundo, sua aplicação é compulsória, caso uma instituição seja submetida à intervenção ou liquidação extrajudicial os depósitos dos associados daquela instituição serão cobertos até o limite individual de R$ 250 mil, por conta e por CPF ou CNPJ e tem como intuito principal resguardar os hipossuficientes, essa é a essência de sua criação, ainda que, por consequência, alcance também os grandes investidores, eles não são o foco .

A orientação para os fundos garantidores acerca desse tema, proferida pela IADI, é de que a cobertura deve ser credível, limitada e abranger grande parte dos depositantes, no entanto, deve deixar certa quantidade de depósitos expostos à disciplina do mercado, recomendando que o limite de cobertura alcance de 90 a 95% dos depositantes.

Essa orientação transmite uma ideia clara acerca da necessidade um cuidado maior com os hipossuficientes por, em geral, serem pessoas que não detém conhecimento ou compreensão sobre os possíveis riscos de terem seus depósitos em uma instituição financeira, ao contrário de um grande investidor. Além disso, também é possível notar um olhar voltado para a mitigação do risco moral, limitar o valor de cobertura reforça a necessidade de os gestores estarem sempre atentos às boas práticas de governança por estarem conscientes que não podem contar apenas com a segurança da existência da cobertura de depósitos por ela não ser ilimitada.

Nessa linha, o FGCoop segue garantindo a cobertura de depósitos para 98,99% dos depositantes conforme dados do Relatório de 2020. A consciência sobre os fundamentos que permeiam a cobertura de depósitos é de suma importância para a vivência da segurança oferecida, afastando qualquer questionamento quanto ao limite de valor.
Fechando esse tema, ressaltamos que após a cobertura, o Fundo se sub-roga nos direitos desses depositantes e passa a ser credor da cooperativa em liquidação ordinária ou massa falida, a depender do regime.

O sigilo das operações

Por fim, frisamos como quinta e última particularidade que remete ao funcionamento de toda essa engrenagem, o acesso aos dados considerados como sigilosos pela Lei Complementar 105/2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras.

Fomos informados no início do texto que o FGCoop não é instituição financeira e perceba que agora estamos nos deparando com a afirmação de que ele se submete à lei própria para instituições financeiras. À primeira vista, essas afirmações parecem incompatíveis, o que reforça a necessidade de esclarecimento do tema.

O FGCoop não é mesmo instituição financeira, no entanto, para o cumprimento eficaz do monitoramento das instituições e até mesmo para o pagamento da cobertura de depósitos ou da realização de assistência financeira, o seu acesso aos dados submetidos ao sigilo financeiro é inevitável. Sob essa realidade, a Resolução 4.518, de 24 de agosto de 2016, considerou o FGCoop como instituição financeira, unicamente para os efeitos da LC 105.

Frise-se que é apenas uma equiparação a instituição financeira, voltada exclusivamente aos fins dessa lei, e essa equiparação gera ao FGCoop o compromisso de conservar o sigilo em suas operações e se submetendo as responsabilidades impostas no manuseio de tais dados.

Desse modo, foi apresentada um pouco da história do FGCoop e contextualizadas suas principais peculiaridades jurídicas. Finalizamos destacando que o FGCoop é uma instituição de fortalecimento do segmento cooperativista, o responsável pela concretização do sentimento de segurança aos detentores de depósito do cooperativismo, atuando como parte imprescindível no fortalecimento, crescimento e confiança do SNCC.

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Taíse Ribeiro de Oliveira

Nota ao leitor: o artigo contém entendimento de cunho pessoal, não significando necessariamente o posicionamento institucional.

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