Cooperativismo financeiro: um movimento global

“Os sonhos prosperam aqui.” (Tema do Dia Internacional do Cooperativismo de Crédito – DICC, em 2017.)

De longa tradição e consistente evolução, o cooperativismo financeiro, cujo modelo se distingue por sua simplicidade, sustentabilidade e seu humanismo, já marca importante presença na atividade bancária ao redor do mundo, especialmente pelo protagonismo na inclusão financeira de considerável parcela de cidadãos e pequenos empreendedores nos cinco continentes.

Na Europa, onde tudo começou, em meados do século XIX, a relevância das instituições cooperativas nos sistemas financeiros locais, inclusive como agentes reguladores de mercado, manifesta-se especialmente em países como a Alemanha (país-berço) e a França. No primeiro caso, cerca de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) financeiro está sob a gestão de cooperativas, que são as responsáveis por suprir as operações e os serviços de natureza bancária de um quarto da população. Na França, por sua vez, nação com a maior participação relativa, o cooperativismo financeiro serve em torno de 40% dos cidadãos e empreendedores e é líder absoluto no sistema bancário do país.

Já no continente asiático, China e Japão são a referência. Estima-se que 200 milhões de chineses se beneficiem da solução cooperativista, ou seja, o equivalente a uma população inteira do Brasil. Trata-se do maior contingente de cooperados em um único país. No segundo caso, pelo menos 10% dos japoneses elegem as cooperativas financeiras como suas provedoras de produtos e serviços bancários.

Do lado da América, o destaque vai para o Canadá, Estados Unidos e também o Brasil. O Canadá foi a porta de entrada do cooperativismo financeiro no continente, sediando a primeira cooperativa no ano de 1900, na cidade de Lévis, província de Qué- bec (origem do Sistema Desjardins). Hoje, algo como 30% dos canadenses valem-se das mais de 600 cooperativas locais para satisfazer as suas demandas de crédito e serviços financeiros.

Os Estados Unidos igualmente mostram um cooperativismo financeiro pujante. Reunindo cerca de 5.900 cooperativas, e com aproximadamente 110 milhões de cooperados – equivalente a um terço da sua população –, representam o segundo principal mercado mundial em termos de quantidade de beneficiários. Em função dos seus apelos e das suas estratégias de expansão, as cooperativas norte-americanas, só em 2016, conquistaram 4,2 milhões novos cooperados, que migraram, sobretudo, de empresas bancárias tradicionais (a propósito de crescimento do número de associados, prevê- -se, em escala global, o incremento de 50 milhões de novos membros até 2020).

É de lá também, com sede em Vienna (cidade com menos de 17.000 habitantes), estado da Virgínia, a maior cooperativa financeira do mundo, a Navy Federal Credit Union. Somando ativos de mais de US$ 81 bilhões (maio/2017), a cooperativa, em cerca de 300 agências e com aproximadamente 14 mil funcionários, atende a algo como sete milhões de cooperados, advindos de 11 grupos diferentes de pessoas ligadas ao Departamento de Defesa e outros setores governamentais (incluindo militares ativos e veteranos, servidores públicos civis, familiares e empregados da própria cooperativa).

Aliás, falando em ordem de grandeza, vale mencionar que das cinquenta maiores instituições financeiras globais seis são do universo cooperativo: Crédit Agricole, Groupe BPCE, Rabobank Group, Norinchukin, Banque Féderative du Crédit Mutuel (BFCM) e DZ Bank.

HISTÓRIA BRASILEIRA

No Brasil, ainda que já existam cooperativas centenárias, o movimento assume evolução mais expressiva apenas nos últimos 20 anos, especialmente em razão da inexistência de um marco regulatório incentivador até meados de 1990. Atualmente (outubro de 2017), as pouco mais de 1.000 entidades detêm um quadro de cooperados da ordem de 10 milhões de pessoas físicas e jurídicas (algo como 5% da população), ao lado de mais de 2 milhões de usuários não associados. Com abundante capilaridade (mais de 6.000 agências, em expansão), as cooperativas, a cada ano, ampliam o contingente de membros à razão de 10%.

Também do lado dos números financeiros, a relevância das cooperativas no Brasil ainda não logrou alcançar os patamares do movimento em economias mais estáveis. Hoje, os ativos do segmento representam 3% do PIB bancário, com igual participação no crédito. Os depósitos e o patrimônio líquido, por sua vez, alcançam 5% do consolidado da indústria. Vale ressaltar, contudo, que em estados como o Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso, Rondônia e Espírito Santo as cooperativas já ultrapassam os dois dígitos de participação no sistema financeiro regional.

Mas a notícia especialmente boa é a da tendência, considerando a performance recente. Com efeito, levando em conta que o crescimento médio anual do conjunto dos negócios tem sido superior a 20% na última década, é provável que, em intervalo não muito prolongado, o cooperativismo brasileiro venha a ocupar posição bem mais visível no sistema financeiro nacional (a título de exemplo, os ativos saltaram de R$ 69 bilhões em 31/12/2010 para R$ 221 bilhões em 31/12/2016).

Por fim, há ainda que realçar três aspectos da presença do cooperativismo em nosso país, cujos indicadores reforçam a importância do setor para os tomadores de serviços financeiros e para a economia nacional.

O primeiro é o fato de que, em 2016, comparando os preços médios praticados pelas cooperativas versus instituições convencionais (computado o retorno do resultado do exercício aos cooperados) e considerando as principais linhas de negócios do sistema cooperativo, os benefícios estimados para os associados ultrapassaram R$ 20 bilhões (vide exemplo em exame.com, 30/8/2017, sobre taxas de juros em operações de crédito). O segundo diz respeito à contribuição para a dinâmica econômica em tempos de adversidade. De 2014 a 2016, por exemplo, enquanto a concessão de crédito no sistema bancário encolheu, nas cooperativas cresceu 22% (exame.com, 30/8/2017).

O último destaque refere-se à responsabilidade social. As cooperativas financeiras empregam mais de 70 mil trabalhadores (não computados os dirigentes). E na crise, em vez de demitir – como o mercado geralmente o faz –, contratam. Prova disso é que apenas no Sicoob foram incorporados 5 mil novos profissionais entre 2014 e junho de 2017. É nesse (e por esse) contexto que todos os anos, na terceira quinta-feira do mês de outubro – em 2017, dia 19 –, sob os auspícios do Conselho Mundial das Cooperativas de Crédito (Woccu, com sede em Madison, Wisconsin/EUA), uma das entidades-líderes do cooperativismo financeiro global, celebram-se os feitos do movimento em mais de uma centena de países.

Ênio Meinen – Diretor de operações do Banco Cooperativo do Brasil – Bancoob e autor do livro Cooperativismo financeiro: virtudes e oportunidades. Ensaios sobre a perenidade do empreendimento cooperativo (Confebras, 2016).

Fonte: Revista Rumos (abde.org.br)

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