Os 40 anos da reorganização das cooperativas de crédito no Rio Grande do Sul e da fundação da Cocecrer-RS – Central Sicredi Sul/Sudeste

Desde a fundação das primeiras cooperativas de crédito brasileiras, no Rio Grande do Sul, no início do século passado, tivemos muitos períodos de crescimento e de adversidades observados no meio cooperativo. Muitas também foram as pessoas que atuaram decisivamente para chegarmos ao estágio atual, em que as instituições financeiras cooperativas atuam com amplo portfólio de produtos e serviços financeiros, preservando o diferencial de atuarem próximas das comunidades, desenvolvendo programas de responsabilidade social, formando novas lideranças entre crianças, jovens e adultos, e promovendo o que cada região tem de melhor.

Dentre os períodos desafiadores nestes quase 120 anos de história, figura no topo desta lista, a reforma bancária de 1964 e as restrições legais que a acompanharam. Foi em meados da década de 1960 que as cooperativas iniciaram uma longa trajetória de dificuldades que só começaram a ser vencidas após a Assembleia Nacional Constituinte de 1988, quando as cooperativas de crédito passaram a ser reconhecidas como participantes do Sistema Financeiro Nacional.

Fruto deste longo período, das 67 Caixas Rurais do modelo Raiffeisen que existiam no RS em 1964, apenas 12 mantiveram-se em funcionamento, mesmo enfrentando grandes dificuldades operacionais e financeiras. Foi um momento de autofagia, onde as cooperativas foram consumindo seu patrimônio líquido até não ter mais como absorver os prejuízos decorrentes da “era dos não pode”, onde muitas das suas condições operacionais lhes foram tolhidas.

Mário Kruel Guimarães

No final da década de 1970, em meio a inflação elevada e a desvalorização cambial, o governo, por meio dos bancos públicos, já não tinha mais condições de financiar o crédito rural. Foi então que as lideranças do agronegócio gaúcho, estimulados pelo então Ministro da Agricultura Delfim Neto, passaram a cogitar a criação de cooperativas de crédito rural vinculadas às cooperativas  de produção (agropecuárias). Atuava em Brasília à época, como assessor especial do Ministro, o Sr. Mário Kruel Guimarães, nascido em Santo Ângelo/RS, que havia sido funcionário do Banco do Brasil, com atuação na inspetoria e na carteira de crédito rural, e com proximidade com a Fecotrigo (Federação das Cooperativas de Trigo e Soja do Rio Grande do Sul), onde havia atuado em 1958 em sua comissão de constituição. Naquele momento, em 1979, Kruel foi destacado por Delfim Neto para atuar em uma comissão que estudaria a criação de cooperativas de crédito rural no RS e, meses mais tarde, quando percebeu que o estudo havia sido engavetado no Ministério, resolveu assumir pessoalmente a execução do projeto, tendo como aliado Werno Blásio Neumann, representante da Ocergs (Organização das Cooperativas do Rio Grande do Sul) na comissão que fora criada meses.

A atuação de Mário Kruel, que naquele momento assumiu a vice-presidência da Fecotrigo, foi decisiva e contou com o apoio incondicional das cooperativas de produção e da própria Fecotrigo, então presidida por Jarbas Pires Machado. A iniciativa consistia em criar uma cooperativa de crédito dentro de cada cooperativa de produção do RS e com isto conquistar o autofinanciamento para os produtores rurais. Ao mesmo tempo em que mobilizavam as cooperativas de produção, atuaram na reaproximação das antigas Caixas Rurais Raiffeisen que ainda estavam em atuação no estado, em total de 12, com o objetivo de criar uma Central de Cooperativas de Crédito Rural, sendo que nove das cooperativas remanescentes aderiram a ideia. Kruel sabia que não adiantaria fomentar a criação de novas cooperativas de crédito se não houvesse uma Central para organizar o trabalho e o desenvolvimento das mesmas. Ao mesmo tempo, a legislação da “era dos não pode” não permitia a criação e a existência de Centrais, motivo pelo qual a antiga Central das Caixas Rurais do Rio Grande do Sul, que havia sido fundada em 1925, foi transformada em uma cooperativa singular em 1967 (atual Sicredi União Metropolitana RS), por não poder mais continuar existindo como Central. A estratégia de Kruel foi de convencer o Banco Central que era importante preservar a história das Caixas Raiffeisen que ainda existiam no estado e para isto era importante poder contar com uma Central de Cooperativas para reorganizá-las.

Kruel sabia que não adiantaria fomentar a criação de novas cooperativas de crédito se não houvesse uma Central para organizar o trabalho e o desenvolvimento das mesmas.

Foi assim que, em 27/10/1980, um grupo de nove cooperativas de crédito rural criou a Cocecrer-RS, a Cooperativa Central de Crédito Rural do Rio Grande do Sul Ltda (atual Central Sicredi Sul/Sudeste). Presidiu a Central, naquele momento de fundação, o Sr. Werno Blásio Neumann, então gerente da Cooperural (atual Sicredi Pioneira RS). Em janeiro de 1982, quando da primeira Assembleia Geral Ordinária, já haviam 40 cooperativas filiadas (9 antigas e 31 novas) e em 1985 já eram 60 as cooperativas filiadas.

As dificuldades iniciais não foram poucas, desde a falta de profissionais qualificados nas cooperativas singulares e na Central, a resistência das cooperativas remanescentes em adotar um padrão sistêmico, até a falta de recursos para honrar a folha de pagamento e despesas mensais das cooperativas e da Central. Paralelamente, a legislação continuava restritiva e não havia apoio e interesse governamental em mudar o cenário. Algumas das novas cooperativas enfrentaram grandes dificuldades, chegando a cogitar o encerramento das atividades logo no início da jornada. Felizmente o ideal dos fundadores foi mais forte.

Interessante observar que Mário Kruel, como arquiteto da organização sistêmica, tinha tudo planejado. Antes de voltar de Brasília para o RS, em 1979, ele visitou as embaixadas de outros países no Distrito Federal e estudou os modelos dos sistemas cooperativos mundiais, como França, Itália, Alemanha, Áustria e Holanda. Com isto ele tinha um diagnóstico perfeito de como seria um modelo bem-sucedido e quais os equívocos que não podiam ser cometidos no Brasil. O modelo proposto previa a existência de cooperativas de crédito singulares, interligadas com cooperativas de produção, com uma única central de cooperativas por estado, uma única confederação e um único banco cooperativo em nível nacional.

Kruel tinha um diagnóstico perfeito de como seria um modelo bem-sucedido e quais os equívocos que não podiam ser cometidos no Brasil.

Em 1983, Kruel obteve o apoio da OCB, que criou uma comissão chamada “Comissão de Implantação do Sicredi-Br”, liderada por Roberto Rodrigues, que tinha como objetivo organizar em nível nacional a constituição de cooperativas de crédito singulares e centrais. Tal movimento deu origem ao “Manual de Procedimentos para Implantação do Sistema Integrado de Crédito Rural Cooperativo – Sicredi” e lá constava que este Sistema Integrado seria o conjunto de cooperativas de crédito rural do País, integradas, horizontalmente, com as cooperativas de produtores agropecuários e, verticalmente, em cooperativas centrais de crédito rural, de nível estadual ou supraestadual e em uma instituição financeira, em nível nacional, adotando nomenclatura e procedimentos padronizados, ainda que respeitadas as peculiaridades locais.

Kruel pregava a existência de um único sistema de crédito cooperativo em nível nacional.

A partir deste momento passaram a ser constituídas cooperativas de crédito singulares e centrais no Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Pará, Distrito Federal, Paraíba e em outros estados, seguindo a inspiração da Cocecrer-RS.

Assim como o Padre Theodor Amstad foi importante na fundação das primeiras cooperativas a partir de 1902, Mário Kruel Guimarães exerceu papel fundamental ao reorganizar as cooperativas remanescentes e liderar a criação de novas cooperativas no RS.

Foi também sob a liderança da Central que: em 1995, na gestão de Ademar Schardong, foi constituído o Banco Cooperativo Sicredi, e em 2000, na gestão de Alcenor Pagnussatt, foi constituída a Confederação Sicredi. A partir do ano 2000 a Central passou a presidida por Orlando Borges Müller, sendo sucedido por Fernando Dall’Agnese em 2017, que seguiram firmes nos ideais cooperativos em duas décadas de grande crescimento do cooperativismo.

Presidentes da Central Sicredi Sul/Sudeste nestes 40 anos:

  • 1980 a 1982, Werno Blásio Neumann
  • 1982 a 1985, Aléxis Setti
  • 1985 e 1986, Mário Kruel Guimarães
  • 1986 a 1996, Ademar Schardong
  • 1996 a 2000, Alcenor Pagnussatt
  • 2000 a 2017, Orlando Borges Müller
  • desde 2017, Fernando Dall’Agnese

Hoje, passados 40 anos, contando com uma legislação muito mais flexível, fruto dos avanços conquistados junto ao Banco Central do Brasil, a Central Sicredi Sul/Sudeste é uma das cinco centrais que integram o Sicredi, contando com 42 cooperativas filiadas e com uma rede de 779 agências em três estados (RS, SC e MG), tendo na base de sua estrutura de governança 2,160 milhões de associados.

Uma história centenária como é a do cooperativismo financeiro brasileiro, ou mesmo dos 40 anos da Central Sicredi Sul/Sudeste, é feita por muitas pessoas, sejam líderes reconhecidos ou por pessoas anônimas, e também as entidades parceiras, todos engajados e comprometidos com a causa cooperativista e associativista. JUNTOS, é assim que se construiu o passado, que se desenvolve o presente e se estrutura as bases para a construção de uma sociedade mais próspera no futuro.

Parabéns e obrigado a todos aqueles que fizeram e fazem parte desta história, principalmente aos mais de dois milhões de associados que fazem valer a pena todas as dificuldades enfrentadas.

“Se uma grande pedra se atravessa no caminho e 20 pessoas querem passar, não o conseguirão se um por um a procuram remover individualmente. Mas, se as 20 pessoas se unem e fazem força ao mesmo tempo, sob a orientação de uma delas, conseguirão solidariamente afastar a pedra e abrir o caminho para todos”. Theodor Amstad

===================

Por Márcio Port, Vice-Presidente da Central Sicredi Sul/Sudeste.

===================

Assista o vídeo retratando a Trajetória do Sicredi

4 Comentários

  1. Parabéns Márcio pela brilhante descrição da história do Sicredi-RS, sinto-me orgulhoso de ter participado ativamente nesta construção por um período de 15 anos, vivi as grandes transformações e evoluções do Sistema de 1990 a 2005. Cumprimentos aos líderes que construíram e continuam dando sequência a esta história de sucesso do cooperativismo financeiro, tão importante na vida das pessoas e da sociedade

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *