Era Digital: A Enésima Onda, por João Batista Loredo de Souza

Enésima OndaA Revolução industrial foi um conjunto de mudanças que aconteceram na Europa nos séculos XVIII e XIX. Como todos sabemos, a principal particularidade dessa revolução foi a introdução das máquinas a vapor.

Durante este processo de transformação o operário era explorado, sendo forçado a trabalhar até 15 horas por dia em troca de um salário baixo. Além disso, mulheres e crianças também eram obrigadas a trabalhar para sustentarem suas famílias.

Diante desse cenário, trabalhadores se revoltaram com as péssimas condições de trabalho e começaram a sabotar as máquinas, ficando conhecidos como “os quebradores de máquinas“.

Nos dias de hoje, estamos passando por um processo de transformação tão grande ou maior do que aquele, relativizados os aspectos atuais em relação àquela época, claro.

A era digital pode ser dividida em várias fases:

  1. a primeira foi com o surgimento dos grandes mainframes, caríssimos, custando milhões de dólares e revolucionando os processos operacionais das organizações. O primeiro deles, o ENIAC, pesava 30 toneladas, ocupava uma área de 180 m2, tinha 70 mil resistores, 18 mil válvulas e consumia 200 mil watts de energia. A partir da década de 60 houve uma evolução muito grande desses equipamentos. Houve também a migração de recursos humanos das áreas tradicionais das empresas, para as empresas ou setores de informática, os antigos CPD’s. Um único mainframe absorvia o trabalho de centena de pessoas.
  2. a segunda fase se iniciou a partir do surgimento dos microcomputadores, que começaram com pequena capacidade de processamento e armazenamento, porém se expandiram numa velocidade assustadora, em todos os aspectos, seja de processamento, seja em armazenamento. Em processo paralelo à expansão da capacidade, os microcomputadores começaram a ser conectados entre si, surgindo os primeiros processamentos em redes, e muito rapidamente a capacidade de processamento dessas novas tecnologias superaram a dos mainframes de então.
  3. a internet foi uma revolução no mundo digital, pois mudou completamente a forma de comunicação entre as pessoas de qualquer parte do mundo. Tornou tudo instantâneo: podemos saber e até acompanhar ao vivo qualquer acontecimento em toda a parte. As redes sociais foram uma consequência natural e hoje não vivemos mais sem elas.
  4. os smartphones vieram para acelerar ainda mais este processo de comunicação. A partir dele, todos nós passamos a ter um computador de alta capacidade de armazenamento e processamento (a maioria deles hoje com muito mais memória e capacidade de processamento do que os primeiros mainframes da década de 1960), e uma câmera fotográfica e filmadora ao mesmo tempo, com alta resolução. Tudo isso cabendo no bolso. Podemos filmar um acontecimento local, postar na rede e imediatamente o mundo todo tem acesso.

Cada grande movimento desses, provoca grandes mudanças não só comportamentais, mas também ocupacionais e empresariais. Datilografia já foi inclusive matéria de curso ginasial (quase fui reprovado…). Onde então grandes organizações como a Kodak? Quem ainda usa fita cassete? Essas profissões vêm sendo eliminadas e novas vem surgindo. É assim que sempre tem ocorrido no decorrer dos tempos.

No mundo financeiro também não é diferente. Grandes bancos no passado, com o surgimento da informática tradicional, revolucionaram seus processos. Alguns perderam a metade de seus funcionários, porem mantiveram a trajetória crescente de número de agências e clientes e operações, e ativos, e etc.

A nova onda no sistema financeiro mundial são os bancos digitais. Na Europa, um banco fechou todas as suas agências e migrou todas as suas operações para o mundo digital. Manteve 70% da sua carteira de clientes.

No Brasil estamos vivendo esses movimentos. Foi criado recentemente o Banco Digital, onde o cliente abre sua conta através de informações eletrônicas, sem contato humano nenhum. Recebe um cartão de crédito com um limite de acordo com suas informações financeiras num prazo muito curto.

Recentemente fomos informados que um grande banco, com uma rede de milhares de agências está implantando seu banco digital também, e migrando de atendimento presencial para agência virtual, e está com um plano de demissão de milhares de colaboradores.

E o cooperativismo de crédito, as Instituições Financeiras Cooperativas?
Como estão agindo ou se planejando em relação a isso?
Será que estamos estudando adequadamente tudo isso, analisando todos os aspectos que envolvem uma mudança dessa magnitude?

Ao menos temos que evoluir em muitos aspectos. Processos como o de abertura de contas, por exemplo, não podem ser mais empregados processos da “idade da pedra”. Porque não podemos utilizar as mesmas facilidades dos bancos digitais? Temos que continuar com todos os entraves de localização dos associados como hoje? O marco regulatório restritivo para o cooperativismo em relação aos bancos, como por exemplo os limites de exposição têm que continuar existindo?

Temos muito que evoluir e aprender, mas sem perdermos nossa essência cooperativista, nosso foco no benefício ao associado e não na exploração do mesmo. Será que devemos migrar inteiramente para o mundo digital?

Entendo que não, pois se assim o fizermos, seremos somente mais um canal digital, em concorrência desvantajosa frente aos bancos, muito mais poderosos financeiramente.

Não podemos dispensar o atendimento presencial ao nosso associado, seja sob a forma de agências tradicionais, seja sob a forma de visitas periódicas, ou outras formas de comunicação visuais.

Tem um aspecto comportamental do nosso povo que não vi ser abordado em nenhuma matéria ainda, quando são abordadas essas tendências virtuais, qual seja, o de será que o brasileiro vai colocar seus recursos numa instituição que ele nunca viu a não ser em propaganda impressa ou eletrônica?

Aonde você prefere colocar suas economias? Via uma remessa para um banco que você não conhece as pessoas, se relaciona somente por um aplicativo virtual em seu telefone, ou prefere aplicar naquela sua Instituição (preferencialmente cooperativa, claro), onde você conhece seu gerente, já trocou alguma ideia ou fez sugestões aos seus dirigentes, os quais você conhece há vários anos, e conhece a sua integridade, seu caráter?

Tomar crédito, ser devedor, podemos ser em qualquer instituição, pois a confiança, no caso é da instituição para com você, mas o contrário, o aplicador confiará em quem conhece há tempos, sabe da trajetória, ou vai acreditar em algo intangível, onde em alguns casos não se sabe quem são os controladores, as pessoas de fato responsáveis?

Temos muito que evoluir, muito que aprender. Temos não muito tempo e poucas chances de errar. São nesses tempos de mudanças, de adversidades que o cooperativismo cresce, é assim na história.

Não nos esqueçamos que a História sempre se repete e, como disse o poeta,
“não sou eu que repito essa história, é a história que adora uma repetição.”

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Por João Batista Loredo de Souza (Batista, como é chamado, foi projetista de sistemas de informação, é pesquisador de cooperativismo, autor de livros sobre o tema, e atualmente exerce a função de Diretor Geral da Unicred Porto Alegre, e também é Diretor Voluntário da Fundação Projeto Pescar).

3 Comentários

  1. Esta questão de bancos digitais vai mesmo transformar o mundo das transações financeiras e afetará, imagino, nossas cooperativas de crédito. Como superar este obstáculo é a grande indagação e não há uma resposta definitiva ainda. Não podemos agir como a Kodak, achando que a mudança vai tardar para vingar. Algum projeto piloto, só digital, deveria ser posto em prática imediatamente. Com ele se aprenderá sobre o comportamento do associado diante da mudança tecnológica.

  2. Muito interessante a reflexão. Entendo os serviços bancários como commodities. O grande diferencial está no cuidado com o cliente e esse cuidado passa pela disponibilização de facilidades virtuais. Entretanto, nada substitui o relacionamento e o atendimento personalizado, razão pela qual sou associado/cliente Sicoob.

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